O Sagrado selvagem


Santo Agostinho: vida e obra.
fevereiro 22, 2012, 8:57 pm
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A influência do pensamento e da vida de  Aurelius Augustinus, ou Santo Agostinho de Hipona, se faz refletir na cultua ocidental até os nossos dias. Se falamos em bem-mal, céu-inferno, e todas as categorias dualistas da nossa visão de mundo é fruto da influência do platonismo refletido em seu pensamento.  Inicialmente o objeto aqui é apresentar um resumo sobre a vida e a obra de Santo Agostinho.

O contexto sócio-histórico nos mostra a relevância da sua obra que marca o fim de uma era importante da Igreja dos primeiros séculos, era denominada pelos historiadores e teólogos de Patrística. A Patrística, ou como é também conhecida, a Era dos Pais da Igreja, foi um período onde a igreja eclesiasticamente começa a definir o dogma mais importante de cristianismo: a Trindade. Questões como a divindade de Cristo, a validade dos sacramentos (batismo e eucaristia) e as divergências trinitárias são discutidas nos chamados concílios ecumênicos e dão a forma dos dogmas eclesiásticos através dos credos que são escritos ao longo destes primeiros séculos.

 

A vida e a obra de Agostinho acontecem dentro deste contexto, de formulação teológica e de rumos que a Igreja irá tomar durante o todo o medievo europeu até o período das reformas protestantes durante a Idade Moderna.

 

A fonte mais importante para a escrita de sua biografia é o seu conhecido livro “Cofissões”, escrito no final da sua vida, onde ele faz uma releitura de toda a sua obra, apontando algumas mudanças de posicionamentos anteiores.

 

Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta, cidade da Numídia, de uma família rica, a 13 de novembro do ano 354. Seu pai, Patrício, era pagão, recebido o batismo pouco antes de morrer; sua mãe, Mônica, pelo contrário, era uma cristã fervorosa, e exercia sobre o filho uma notável influência religiosa. Indo para Cartago, a fim de aperfeiçoar seus estudos, começados na pátria, desviou-se moralmente. Caiu em uma profunda sensualidade, que, segundo ele, é uma das maiores conseqüências do pecado original; dominou-o longamente, moral e intelectualmente, fazendo com que aderisse ao maniqueísmo, que atribuía realidade substancial tanto ao bem como ao mal, julgando achar neste dualismo maniqueu a solução do problema do mal e, por conseqüência, uma justificação da sua vida. Tendo terminado os estudos, abriu uma escola em Cartago, donde partiu para Roma e, em seguida, para Milão. Afastou-se definitivamente do ensino em 386, aos trinta e dois anos, por razões de saúde e, mais ainda, por razões de ordem espiritual.

 

Seu contato com o Maniqueísmo é fruto de uma crise pessoal entre o bem e o mal. A filosofia maniqueísta pensava a realidade partindo de dois princípios dialéticos – Bem e Mal – sob os quais toda a realidade existia. Bem e Mal eram entendidos como duas forças supremas e contrapostas, o que para a Agostinho era uma explicação mais racional da realidade em relação a cosmovisão oferecida pelas Escrituras do Antigo Testamento.  Dentro do Maniqueísmo existiam duas distinções entre os seguidores. Uma, a dos “ouvintes”, abrangendo o grupo de seguidores que se esforçava para alcançar o bem através do aperfeiçoamento individual, contudo estes aceitavam desfrutar da vida dos prazeres terrenos. O segundo grupo, dos “perfeitos”, contrariamente ao primeiro grupo, levavam uma vida de absoluta renúncia, bem ao estilo do padrão gnóstico. Agostinho era um mais um “ouvinte” do Maniqueísmo e logo iria se desapontar com Faustus de Milevis, um professor maniqueísta a quem Agostinho esperava receber grandes ensinamentos, contudo ele se decepciona com sua sabedoria causando a perda da fé maniqueísta, que vai dar lugar ao neoplatonismo na vida de Agostinho.

 

Ao abandonar o maniqueísmo, abraça a filosofia neoplatônica que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal. Destarte chegara a uma concepção cristã da vida – no começo do ano 386. Entretanto a conversão moral demorou ainda, por razões de luxúria. Durante este período o autor esteve em Roma, e em seguida em Milão onde vai ter contato com o neoplatonismo, que oferece uma explicação mais convincente a respeito da natureza incorpórea de Deus e a existência do mal. Estes dois aspectos filosóficos constituem uma dúvida existencial para Agostinho, pois o mal em sua vida se constitui um obstáculo para ele e os outros santos de sua época, que é profundamente marcada pela filosofia grega, e mais ainda pelo gnosticismo.  É uma grande crise de valores morais enraizadas no seu passado de “prazeres” da vida, que agora colocam tais questões a sua frente. O neoplatonismo reúne a “auto-renúncia de Cristo” e a “vida filosófica” dos platônicos a busca do aperfeiçoamento “salvífico”.

 

Agostinho considera a filosofia praticamente, platonicamente, como solucionadora do problema da vida, ao qual só o cristianismo pode dar uma solução integral. Todo o seu interesse central está portanto, circunscrito aos problemas de Deus e da alma, visto serem os mais importantes e os mais imediatos para a solução integral do problema da vida.

O problema gnosiológico é profundamente sentido por Agostinho, que o resolve, superando o ceticismo acadêmico mediante o iluminismo platônico. Inicialmente, ele conquista uma certeza: a certeza da própria existência espiritual; daí tira uma verdade superior, imutável, condição e origem de toda verdade particular. Embora desvalorizando, platonicamente, o conhecimento sensível em relação ao conhecimento intelectual, admite Agostinho que os sentidos, como o intelecto, são fontes de conhecimento. E como para a visão sensível além do olho e da coisa, é necessária a luz física, do mesmo modo, para o conhecimento intelectual, seria necessária uma luz espiritual. Esta vem de Deus, é a Verdade de Deus, o Verbo de Deus, para o qual são transferidas as idéias platônicas. No Verbo de Deus existem as verdades eternas, as idéias, as espécies, os princípios formais das coisas, e são os modelos dos seres criados; e conhecemos as verdades eternas e as idéias das coisas reais por meio da luz intelectual a nós participada pelo Verbo de Deus. Como se vê, é a transformação do inatismo, da reminiscência platônica, em sentido teísta e cristão. Permanece, porém, a característica fundamental, que distingue a gnosiologia platônica da aristotélica e tomista, pois, segundo a gnosiologia platônica-agostiniana, não bastam, para que se realize o conhecimento intelectual humano, as forças naturais do espírito, mas é mister uma particular e direta iluminação de Deus.

Finalmente, como por uma fulguração do céu, sobreveio a conversão moral e absoluta, no mês de setembro do ano 386. Agostinho renuncia inteiramente ao mundo, à carreira, ao matrimônio; retira-se, durante alguns meses, para a solidão e o recolhimento, em companhia da mãe, do filho e dalguns discípulos, perto de Milão. Aí escreveu seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o amigo Alípio, recebeu o batismo em Milão das mãos de Santo Ambrósio, cuja doutrina e eloqüência muito contribuíram para a sua conversão. Tinha trinta e três anos de idade.

 

Depois da conversão, Agostinho abandona Milão, e, falecida a mãe em Óstia, volta para Tagasta. Aí vendeu todos os haveres e, distribuído o dinheiro entre os pobres, funda um mosteiro numa das suas propriedades alienadas. Ordenado padre em 391, e consagrado bispo em 395, governou a igreja de Hipona até à morte, que se deu durante o assédio da cidade pelos vândalos, a 28 de agosto do ano 430. Tinha setenta e cinco anos de idade.

Após a sua conversão, Agostinho dedicou-se inteiramente ao estudo da Sagrada Escritura, da teologia revelada, e à redação de suas obras, entre as quais têm lugar de destaque as filosóficas. As obras de Agostinho que apresentam interesse filosófico são, sobretudo, os diálogos filosóficos: Contra os acadêmicos, Da vida beata, Os solilóquios, Sobre a imortalidade da alma, Sobre a quantidade da alma, Sobre o mestre, Sobre a música. Interessam também à filosofia os escritos contra os maniqueus: Sobre os costumes, Do livre arbítrio, Sobre as duas almas, Da natureza do bem.

Dada, porém, a mentalidade agostiniana, em que a filosofia e a teologia andam juntas, compreende-se que interessam à filosofia também as obras teológicas e religiosas, especialmente: Da Verdadeira Religião, As Confissões, A Cidade de Deus, Da Trindade, Da Mentira

A controvérsia dos donatistas: Como herdeiro de uma época repleta de conflitos a respeito dos dogmas eclesiásticos, após combater o Maniqueísmo, Santo Agostinho vai combater os cismas da Igreja tendo a controvérsia donatista como um dos principais conflitos em que vai se envolver.

 

No período de Diocleciano (303-305 d. C.) os cristãos são seriamente perseguidos, e alguns com o intuito de fugir do martírio, entregam as cópias das Escrituras e outros textos nas mãos dos magistrados romanos. Esta atitude vai por em dúvida a validação dos bispos ordenados pela igreja que cederam as perseguições. Tal situação merece uma contextualização. A igreja apostólica surge em meio às perseguições do Império. Temos na literatura sagrada o martírio como uma sublimação da fé em Cristo, como o caso de Estevão, o primeiro mártir do cristianismo que vão se tornar um elemento simbólico para os cristãos da época. Ser um mártir é visto para os crentes dos primeiros séculos como uma questão de honra máxima, é seguir a Cristo até as últimas conseqüências, mesmo que esta seja a morte. Esta mentalidade pode ser comprovada pela história da igreja, que sobreviveu nas catacumbas romanas, e tem como exemplo o testemunho de vários crentes da época, incluindo mulheres com seus filhos que se entregam à morte nos “espetáculos” do Coliseu romano. Houve uma divisão com o fim da perseguição a partir do século III, onde pairava a dúvida a respeito dos bispos donatistas, assim chamados por causa do padre Donatus.

 

Neste contexto de divisões religiosas, políticas, e raciais, Agostinho começam a desenvolver sua obra em torno de questões básicas, como a natureza da Igreja, a relação entre Igreja e Estado e a os sacramentos. Com base nestes conflitos ele vai desenvolver a distinção entre Igreja visível e a invisível. Estes fatos vão influenciar o Estado como elemento de força no combate aos cismas donatistas, que começavam a ameaçar a unidade eclesial. A partir de então surge a controvérsia em relação à validade não só da ordenação dos bispos mas também, sobre a sacralidade das ordenações feitas por tais bispos. Assim, a geração de bispos pós-donatistas é questionada e em alguns casos, eles deveriam ser aceitos pela igreja através de uma nova imposição de mãos. Casos como batismo e ordenação passavam por este processo. Agostinho faz duas distinções do sacramento. A visão de sacramento para ele era mais ampla do que a comumente aceita por nós até hoje. O sacramento e a sua validade são considerados aspectos distintos. Para ele, o batismo e a eucaristia são ordenanças recebidas diretamente de Cristo pela Igreja, e a validade independe da instituição, o que diferia da idéia de Cipriano. Com isso ele começa a desassociar os sacramentos da instituição, universalizado os sacramentos e a própria igreja da época. Contrariando os donatistas que queriam limitar a Igreja no norte africano – daí o aspecto político da controvérsia – Agostinho entendia Igreja e Sacramentos já dentro da sua perspectiva igreja visível e invisível, expressada na sua obra A cidade de Deus. O que pertence e está dentro da Igreja não pode ser alterado pelo homem.

A controvérsia pelagiana: Pelágio era um nativo das ilhas britânicas e o que é conhecido de sua vida e obra data de 405 d.C. , onde em Roma ele teve seu primeiro contato com a teologia agostiniana. A base da teologia formulada por Agostinho era a total dependência da graça – o que o fez resolver a questão sobre o dualismo maniqueísta – contrariando Pelágio. Sua doutrina vai ser combatida na África e no Oriente onde ele consegue adeptos, e o bispo Inocente apóia sua deposição pelos concílios africanos. Há por trás do pelagianismo toda uma questão que envolve teologia e poder dentro do Estado Romano.

 

Pelágio estava disposto a defender a responsabilidade humana diante da graça divina. Estava cansado de aceitar as desculpas imputadas por aqueles que queriam atribuir seus pecados à fraqueza e incapacidade humana. A diferença entre Agostinho e Pelágio era que o primeiro não estava disposto a abandonar a absoluta necessidade da graça, mesmo enquanto defendia a liberdade, enquanto que o último acreditava que a doutrina da graça de Agostinho era uma ameaça para a responsabilidade e liberdade humanas.

 

A disputa contra o pelagianismo vai gerar uma série de obras, tais como Sobre a predestinação dos santos e Sobre o dom da perseverança.

 

Teoria do conhecimento: ao contrário do neoplatonismo, para Agostinho o conhecimento deve ser possível, ele é uma emanação divina. Mesmo a dúvida deve saber que é dúvida, quem duvida, mesmo não tendo respostas, sabe de sua dúvida, tem consciência dela. Para ele há a scientia e a sapientia, esta última sendo o conhecimento das coisas eternas e imutáveis de Deus. Para ele Deus é a emanação de todo o saber,e  com isso Agostinho vai fundindo o neoplatonismo com a sua teologia, num misto de filosofia neoplatônica e sabedoria. Uma outra questão contra o neoplatonismo é a pré-existência das almas, para Agostinho a alma emana de Deus e não fica vagando desencarnada do corpo. Deus ao criar o mundo ele o faz a partir do nada, sendo assim, a alma tem um início assim como toda a criação. E com isso ele acaba definindo seu conceito de tempo.  O tempo existe pelas coisas criadas, que foram feitas de matéria distintas de Deus, e a partir delas o tempo passa a existir. Deus no seu entendimento surge a partir da busca de uma verdade última, que deve ser perfeita. Este Deus é criador de tudo o que existe, fez o universo do nada.

 

Agostinho sintetizou a cultura da antiguidade com a teologia cristã de sua época. Sua concepção teológica está enquadrada na igreja antiga e seu posicionamento filosófico,  era neoplatônico. Com isso ele se funda em questões antropológicas na igreja, diante dos conflitos donatistas, a doutrina da Trindade e o pelagianismo. A partir disto ele vai debater questões como a graça irresistível, a predestinação e a igreja invisível.

 

Santo Agostinho é um homem do seu tempo. Tendo em vista o seu tempo ser uma era de crise, com a crescente invasão bárbara denotando a ruína do mundo romano e consecutivamente, a queda moral da sociedade de sua época – incluindo a Igreja atrelada ao Estado – Agostinho é remetido a distinguir as realidades metafísicas da existência. Questões como batismo, eucaristia e o próprio conceito de Igreja são discutíveis no plano temporal e atemporal. Para ele o batismo realizado por um bispo donatista poderia ter ou não sua validade, pois tudo depende da graça divina. Diante da dependência da graça, o batismo válido para a igreja visível não garante sua aceitação na igreja invisível, que é parte da realidade eterna e imutável. Essa distinção do temporal e eterno são aspectos importantes que vão deixar suas marcar presentes na idade média e em toda a cristandade após a era das reformas protestantes do século XVI.

 


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